Os avanços tecnológicos e científicos trouxeram inúmeros benefícios, mas, em contrapartida, enfraqueceram a fé espiritual de muitas pessoas. A ideia da “mão invisível de Deus” passou a ser vista como ultrapassada e até retrógrada, já que a ciência sugere que vivemos em um universo mecânico, onde indivíduos e sociedades são livres para criar suas próprias regras.
Quem somos, de onde viemos e para onde vamos? São perguntas que tiveram suas origens desfiguradas e foram banalizadas pela era digital, mas que não deveriam envelhecer, pois, se não buscarmos essas respostas, nossas vidas perderão o sentido. Infelizmente, boa parte da população vive no transe coletivo do mundo cibernético, em que muitos preferem esconder essas dúvidas profundas no fundo do armário ou atrás de uma tela. O objetivo, atualmente, parece ser chegar em casa correndo para assistir ao último episódio de “Billions”, dormir e sonhar em ser bilionário, ou então, descobrir qual o seu novo pronome.
Críticos argumentam que um foco intenso na política identitária fragmentou a sociedade em grupos baseados em raça, gênero ou outras características, criando uma mentalidade de “nós contra eles” e aumentando a polarização política e social. A cultura woke criou um ambiente que favorece o “cancelamento” ou ostracismo social de indivíduos por suas opiniões, limitou a liberdade de expressão e extinguiu o debate aberto.
A cultura woke
O termo “cultura woke” é uma expressão de origem americana que significa estar acordado e consciente em relação a temas sociais e políticos, especialmente relacionados às minorias. A cultura woke sustenta que os conceitos de certo e errado são relativos, influenciados por nossos costumes e criação, variando, assim, de pessoa para pessoa. Em outras palavras, o que define o que é certo ou errado é o ponto de vista e as circunstâncias de cada pessoa. O resultado dessa teoria não poderia ser mais catastrófico: a narrativa hedonista de que podemos decidir sobre os fatos do mundo nos coloca em um pedestal junto ao nosso Criador, que foi exatamente o que Lúcifer fez. Trazer esse conceito para o íntimo significaria edificar os humanos a um patamar acima do bem e do mal, como o próprio Deus. Estar acima do bem e do mal é desafiar os sistemas de pensamento já estabelecidos, questionar suas crenças mais fundamentais e considerar a possibilidade de construir suas próprias verdades.
A cultura woke, com sua ênfase na justiça social, nas políticas de identidade e na reinterpretação das narrativas históricas, é imposta de forma autoritária, apenas para dividir a sociedade. Ela nos força a tomar partido, empurrando-nos para os extremos, seja à direita ou à esquerda. Vale tudo para sinalizar virtude nas redes. Seu apelo reside na tentativa em estabelecer novas certezas morais em um mundo onde as fundações religiosas e filosóficas tradicionais foram corroídas. Assim como Nietzsche sugeriu que, na ausência de Deus, a humanidade deve criar seus próprios valores, a cultura woke busca redefinir conceitos de justiça, igualdade e moral. Essa redefinição muitas vezes envolve desafiar normas estabelecidas e defender vozes marginalizadas, um verdadeiro culto à contracultura.
A teoria de Nietzsche sobre a morte de Deus serve como um pano de fundo para entender a dinâmica da cultura woke. Enquanto ambos exploram a criação de novos valores e significados em uma paisagem pós-religiosa, eles também revelam tensões entre absolutismo e relativismo, autenticidade individual e identidade coletiva. Críticos apontam que a cultura woke é perniciosa, pois silencia opiniões divergentes e impõe seu próprio absolutismo, ecoando as preocupações de Nietzsche sobre a adesão cega a dogmas e ideologias. Essa falta de fé na identidade desvaloriza o diálogo, aprofundando o abismo social entre classes socioeconômicas, o que pode levar as pessoas ao niilismo.
Friedrich Nietzsche – A morte de Deus
Friedrich Nietzsche (1844–1900), filósofo alemão do século XIX, talvez mais conhecido por sua declaração de que “Deus está morto”, propôs um confronto à realidade de um mundo sem verdades absolutas ou orientação divina. A ideia de Nietzsche de que “Deus está morto” não é uma afirmação literal sobre a morte física de uma divindade, mas sim uma alegação metafórica de que o Deus cristão tradicional, juntamente com os valores e sistemas morais enraizados no cristianismo, não têm mais influência sobre a sociedade moderna. Conhecido por suas críticas ao cristianismo, Nietzsche atesta que essa “morte” é o resultado do Iluminismo, do crescimento do pensamento científico e da ascendente secularização do mundo.
Para o filósofo, apesar desse fenômeno representar uma profunda crise existencial em âmbitos individuais e coletivos, ele também indica uma oportunidade de reconstrução de valores e ideologias. O desmoronamento da antiga ordem moral deixaria um vazio que poderia levar ao niilismo: crença de que a vida não tem sentido, propósito ou valor. No entanto, Nietzsche acreditava que esse vazio também apresentava a possibilidade da criação de novos valores, é nesse contexto que surge sua visão de Übermensch. O Übermensch, ou “super-homem”, é um novo tipo de ser humano que poderia superar a moralidade convencional e criar novos princípios. Esse “super-homem” não é limitado pelos códigos morais tradicionais, sendo capaz de traçar seu próprio caminho na vida.
O conceito de “super-homem” de Nietzsche pode ser comparado à física quântica no sentido de que ambos desafiam as estruturas rígidas e previsíveis da realidade tradicional. Assim como a física quântica questiona a ideia de um universo determinista, onde as leis da natureza são absolutas e previsíveis, o “Übermensch” representa um ser capaz de transcender as limitações impostas pelas convenções morais e sociais. Ele não se submete a um caminho predeterminado, mas cria suas próprias regras, assim como as partículas quânticas, que não seguem trajetórias fixas, mas existem em estados de potencialidade, podendo se manifestar de diversas formas dependendo da observação e do contexto. Dessa forma, tanto Nietzsche quanto a física quântica nos convidam a reconsiderar a natureza da realidade e nossa posição dentro dela.
A fórmula mágica da cultura woke para criar um esquadrão de “Übermensch” foi por água abaixo; o que temos hoje é uma juventude barulhenta, cheia de pose, mas sem substância intelectual. Um exército de cérebros vazios que clama por ordem, mas não possui a capacidade de instaurá-la, abrindo caminho para um mundo sem autoridade moral, onde são súditos de qualquer esmola vinda de cima. Dessa forma, a “morte de Deus” não seria um fim em si mesma, mas uma transferência de arquétipos: se Deus antes representava uma força divina, hoje ele se materializa no Estado. O comunismo, em suas várias formas, busca centralizar o poder para instaurar uma nova ordem social, substituindo Deus pelo Estado como guardião das minorias contra os males do capitalismo. Porém, o que muitos não percebem é que esse mesmo Estado, ao crescer em poder, pode se tornar o próprio monstro, um Leviatã que oprime aqueles que deveria proteger.
Thomas Hobbes – Leviatã
Em seu livro “Leviatã”, Thomas Hobbes (1588–1679) faz uma referência bíblica à poderosa criatura marinha, que dá nome à obra, utilizando-a como metáfora para discorrer sobre a natureza humana e sua relação com a política. Nesse modelo, o Leviatã seria a representação de um corpo político no qual a cabeça, simbolizando o Estado, governa e dita a ordem, enquanto os membros, ilustrando o povo, agem sob sua direção. O equilíbrio e o bem-estar do corpo dependem inteiramente da autoridade da cabeça, e sem ela, o caos prevalece.
Para Hobbes, os seres humanos, quando em seu estado natural, vivem em uma condição de guerra constante, onde a vida é “solitária, pobre, desagradável, brutal e curta.” Nesse estado, cada pessoa agiria em seu próprio interesse, levando a conflitos inevitáveis. Dessa forma, o absolutismo de Hobbes argumenta que, para evitar essa situação caótica, os indivíduos precisam ceder aos seus direitos naturais em troca de ordem e segurança. É quando surge uma autoridade centralizada e poderosa, para evitar o colapso da sociedade em caos e violência, Leviatã, ou em outras palavras, o Estado. Leviatã representa um governo poderoso e centralizado, com autoridade inquestionável, que rejeita a divisão de poderes e acredita que a única maneira de garantir a paz é através de um governo forte e indivisível. Segundo Hobbes, este governo não pode ser desafiado, pois sua autoridade deriva do consentimento de seus seguidores, que o escolheram para evitar o estado de natureza.
“O Estado tomou o lugar de Deus; é por isso que, visto por esse ângulo, as ditaduras socialistas se tornaram religiões e a adoração ao Estado uma forma de culto.”
Carl Jung
A ideia de que um Estado soberano deve ter autoridade absoluta pode facilmente ser interpretada como uma justificativa para regimes totalitários, em que o poder é concentrado em um líder ou partido que controla todos os aspectos da vida dos cidadãos. Podemos encontrar exemplos da teoria de Hobbes em governos ditatoriais, como os da China, Rússia, Coreia do Norte, Venezuela e Nicarágua. Vemos o nosso país, o Brasil, caminhando a passos largos aos braços de nosso Leviatã de toga, o Supremo Tribunal Federal. Enquanto a população brasileira segue inebriada pelos conteúdos efêmeros das redes sociais, a doutrinação dos jovens acontece dentro de nossas escolas e universidades, exatamente como Antonio Gramsci articulou.
Antonio Gramsci – guerra cultural
O século XX foi marcado pelas guerras ideológicas. Vimos diversas revoluções, duas guerras mundiais, genocídios e o uso da bomba atômica. O resultado foi devastador: somadas as vítimas das duas guerras e das revoluções, houve cerca de 187 milhões de mortos. As destruições eram apenas a parte visível das teorias que impulsionaram as disputas entre as potências. A parte invisível seria explorada mais tarde por Antonio Gramsci, um filósofo marxista e cofundador do Partido Comunista Italiano, que deixou raízes profundas na esquerda brasileira.
Gramsci concebeu formas de manipular as pessoas e pavimentar o caminho para a revolução comunista, sem recorrer à violência física. Embora seu nome não seja amplamente conhecido, suas ideias certamente são. Sua relativa obscuridade, na verdade, reforça sua estratégia, pois alguns efeitos são mais eficazes quando operam na invisibilidade. Ele é um dos principais arquitetos do que hoje se entende como guerra cultural.
Para Gramsci, quanto mais as pessoas estivessem alienadas, mais fácil seria manipulá-las. Por isso, em vez de força física, a revolução se basearia na força intelectual. Estudando o ser humano e suas fraquezas, Gramsci compreendeu que para implantar um regime socialista, seria necessário dominar a linguagem, as artes e o imaginário coletivo. A revolução, segundo ele, deveria ser internalizada nas organizações e nas pessoas por meio da cultura e da educação, e o aumento da fragilidade social e das divisões entre grupos tornaria uma revolução mais viável, exatamente como vemos acontecer hoje no movimento woke. Sua intenção seria a hegemonia cultural: uma maneira pela qual a classe dominante mantém o poder não apenas por meio da coerção, mas também através da liderança cultural e da dominação ideológica. Na revolução cultural de Gramsci, não há espaço para a vida espiritual, a batalha é silenciosa, não violenta e perniciosa, e tomou conta das instituições brasileiras. Embora a fórmula de Gramsci tenha funcionado, o pêndulo está mudando e as pessoas estão despertando do coma “woke”. Há luz no fim do túnel. Exploraremos esse tópico mais a fundo na Parte III.
“A conquista do poder cultural é prévia à do poder político, e isto se consegue mediante a ação concertada dos intelectuais chamados orgânicos infiltrados em todos os meios de comunicação, expressão e universitários”.
Antonio Gramsci