O conceito de falso herói na política refere-se a líderes ou figuras públicas que se apresentam como salvadores ou defensores do bem comum, mas cujas ações e intenções não correspondem a esse ideal. Podemos citar alguns nomes bem conhecidos, tais como Napoleão Bonaparte, inicialmente visto como um herói da Revolução Francesa e um defensor da igualdade e liberdade, mas que acabou se auto proclamando imperador e estabelecendo um regime autoritário, contradizendo os princípios que afirmava defender. O ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez, é outro exemplo. Foi visto por muitos como um herói que lutava pelos pobres e contra a desigualdade, mas deixou um legado de corrupção, violação dos direitos humanos e o consequente enfraquecimento das instituições democráticas, mesma cartilha do atual presidente, Nicolás Maduro. No Brasil, o cenário político agrega uma vasta gama de possíveis falsos heróis, mas citaremos apenas alguns.
O empresário e influenciador digital, Pablo Marçal (PRTB), candidato da direita à prefeitura de São Paulo, ganhou notoriedade ao incentivar seguidores a realizarem “cortes” de seus conteúdos para gerar engajamento pessoal, proporcionando vantagens financeiras para quem realiza o serviço. Conhecido por sua forte atuação como coach digital, Pablo Marçal utiliza suas plataformas para propor um debate direto com os eleitores. Ele questiona o status quo e apresenta soluções inovadoras para os problemas da cidade de São Paulo. Sua estratégia disruptiva não apenas amplia seu alcance, mas também redefine o modo como as campanhas políticas são conduzidas. A estratégia de Marçal foi questionada pela candidata Tabata Amaral (PSB) à Justiça Eleitoral de São Paulo, alegando que o candidato usou táticas para recrutar colaboradores para disseminar conteúdos eleitorais nas redes e em serviços de streaming, o que consideraram “ilícito e abusivo”. Marçal teve suas redes sociais suspensas por ordem do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo no último 28 de agosto, mas isso não atrapalhou sua campanha, pelo contrário, fortaleceu.
Segundo o cientista político, Elton Gomes, a comunicação de Pablo Marçal reflete o fim de uma era de discursos políticos eloquentes e formais no Brasil. Com os avanços tecnológicos oriundos de nossa época, a propaganda eleitoral se transformou em algo coloquial, dado que o eleitorado começou a preferir uma linguagem mais direta e acessível. As redes sociais se transformaram em verdadeiros palanques nos quais líderes políticos conseguem alcançar milhões de pessoas instantaneamente através delas. De acordo com a entrevista concedida à Gazeta do Povo, Gomes afirma que essa nova abordagem substituiu os antigos discursos pomposos por uma linguagem mais próxima do cotidiano do eleitor, valorizando a espontaneidade e a transparência:
“Com a chegada das redes sociais e dos aplicativos de mensagem instantânea, essa tendência foi amplificada. A partir de 2013, os líderes políticos passaram a adotar uma comunicação mais ágil e dinâmica, cheia de humor, sátira e ironia”. Elton Gomes
Gomes ressalta que Marçal, como uma figura influente nas redes sociais, compreende bem esse novo formato de propaganda política, ele fala o que o público quer ouvir e tem as respostas na ponta da língua. Recentemente, em uma entrevista, Marçal afirmou que as pessoas agora preferem um espetáculo semelhante ao dos reality shows. A propaganda eleitoral adotou uma nova abordagem, em que o confronto e a personalidade dos candidatos ganham destaque, refletindo um novo paradigma na política contemporânea: a busca por engajamento e impacto imediato. Esse novo formato traz desafios e oportunidades, pois as redes sociais permitem uma segmentação mais precisa do público, possibilitando que os candidatos ajustem suas mensagens para diferentes grupos demográficos. Além disso, a rapidez com que as informações — ou desinformações — se espalham exige que os candidatos sejam cada vez mais ágeis e transparentes em suas respostas e posicionamentos. Em contrapartida, as redes sociais se tornaram uma metralhadora de fake news, onde se fabricam falsos heróis e queimam os verdadeiros em questão de segundos.
Nesse palco de patifaria e pornochanchada, Pablo Marçal se destaca por gerar engajamento virtual através de polêmicas calculadas. Munido de argumentos e falas provocativas, Marçal tem o poder de tirar seus oponentes do sério, como pudemos testemunhar no debate da TV Cultura realizado em 15 de setembro. Após inúmeras provocações, o candidato do PSDB e também apresentador de televisão, José Luiz Datena, perdeu o controle e atirou uma cadeira em Pablo Marçal, em rede nacional. Durante o recente debate no Flow entre candidatos à Prefeitura de São Paulo, ocorreu um grave desentendimento entre as equipes de Pablo Marçal e Ricardo Nunes. Após Marçal ser expulso por repetidas violações das regras do debate, uma confrontação física começou. Nahuel Medina, videomaker de Marçal, deu um soco em Duda Lima, estrategista de marketing da campanha de Nunes. Em questão de minutos, as redes sociais foram inundadas com vídeos dos incidentes, gerando repercussão no mundo inteiro. No entanto, a repercussão de casos como estes ocorrem de forma antagônica: os eleitores estão atentos aos casos pelos motivos errados. Sedentos por dopamina, os internautas aguardam cortes e memes digitais para suprir seu vício. Estamos presenciando o auge da baixaria tupiniquim, o sensacionalismo político se transformou em uma máquina de memes virtuais que nos dão prazer.
Apesar do apelo visceral de suas campanhas, a área cinzenta de Pablo Marçal permanece uma incógnita: o mistério em torno de sua fortuna, processos por fraude e fake news, suspeita de lavagem de dinheiro, omissão de bens em suas declarações ao TSE e sua conduta sensacionalista continuam a gerar dúvida nos eleitores. Da mesma forma que ele se coloca como herói de um povo desiludido, a figura do falso herói continua a permear sua sombra.
Em linhas gerais, as redes sociais se consolidaram como um dos principais palanques das eleições contemporâneas. Refletindo uma nova era na política, onde a conectividade e a interatividade se tornam essenciais para o sucesso eleitoral, os candidatos que souberem utilizar essas ferramentas de forma estratégica e autêntica certamente terão uma vantagem competitiva. Porém, a estratégia de cooptar usuários das redes sociais por meio do confronto em “cortes” de vídeo não é uma invenção de Pablo Marçal, como diz o jargão: “Nada se cria, tudo se copia”. Por trás dessa tática, a figura polêmica de Andrew Tate surge como uma inspiração para as ações do influenciador brasileiro no ambiente virtual.
Andrew Tate é uma figura controversa conhecida principalmente como um ex-kickboxer, empresário e personalidade das redes sociais. Tate também ganhou destaque ao participar da edição britânica do Big Brother em 2016, da qual foi expulso após a divulgação de um vídeo em que parecia agredir uma mulher. Em dezembro de 2022, ele teve seu canal no YouTube eliminado e foi banido de plataformas como Facebook, Instagram e TikTok. A decisão foi vista por seus apoiadores como perseguição, já que Tate questionava pautas de esquerda, como a ideologia de gênero. Acusados de tráfico humano, exploração sexual de mulheres e formação de organização criminosa, Tate e seu irmão foram presos em dezembro de 2022, permanecendo vários meses detidos. Em março de 2023, eles foram libertados e colocados em prisão domiciliar, enquanto as investigações seguem em andamento.
Andrew Tate se apresenta como um defensor de uma visão tradicional e ultraconservadora da masculinidade, promovendo um estilo de vida que ele chama de “Hustlers University”, em que se defende a importância de riqueza, status e poder como componentes centrais de uma vida bem-sucedida. Seu principal slogan é: “Cresci sem dinheiro e agora sou bilionário. Ensino aos merecedores os segredos para a criação de riqueza em tempos modernos”. Suas opiniões provocativas e muitas vezes polêmicas sobre masculinidade, relacionamentos e sucesso pessoal o renderam rótulos negativos, tais como misógino, tóxico e machista. Contudo, Tate continua a evocar balbúrdia na internet e seus seguidores parecem não se importar com sua figura polêmica de falso herói.
As semelhanças entre os discursos de Tate e Marçal apontam características dignas de falsos heróis que habitam o núcleo da direita. Já na esquerda paulistana, temos o retrato de um verdadeiro anti-herói, o deputado federal Guilherme Boulos. Tanto Marçal quanto Boulos estão armados para guerra virtual, por isso, é fundamental que os eleitores estejam atentos e busquem várias fontes de informação para que possam tomar decisões acertadas.
Guilherme Boulos (PSOL) é um dos principais líderes da esquerda brasileira e representa uma nova geração de políticos progressistas. Para quem não sabe, o progressismo é um termo virtuoso que a esquerda encontrou para camuflar seu verdadeiro objetivo: a implementação do comunismo no Ocidente. Boulos faz sua campanha política com um forte apelo às bases populares, utilizando as redes sociais de forma eficaz para mobilizar e engajar eleitores, especialmente jovens e trabalhadores. Suas críticas ao neoliberalismo e à concentração de riquezas buscam articular as demandas dos grupos menos favorecidos, criando uma ruptura entre classes socioeconômicas. Por conta de sua liderança no MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e sua militância política, ele é frequentemente criticado por seus discursos acalorados, os quais promovem invasões de propriedades privadas e incitam ideias comunistas. Para a esquerda, Boulos se edifica como o salvador da pátria, a partir da ilusão de que, ao ser eleito, irá tirar uns da pobreza, tirando a riqueza de outros. Portanto, sua área cinzenta surge de forma muito mais perigosa do que parece, seu papel como falso herói é imbuir nas pessoas a ideologia nefasta do comunismo.
“Primeiro, o termo “comunismo” foi aposentado, dando-se preferência ao termo mais genérico e brando de socialismo. Os marxistas brasileiros usaram e abusaram do termo “socialista”, até que este também se desgastou. Então, resolveram abandoná-lo e abraçar com entusiasmo o “progressismo”. Hoje noventa por cento da esquerda brasileira tornou-se “progressista”.” Rodrigo Constantino
Esse mantra hipnótico emanado pelo comunismo, de que a solução seria a eliminação das classes sociais, em que todos têm acesso igualitário aos recursos e oportunidades, sem a exploração de uma classe sobre outra, é pura ilusão. Jordan Peterson argumenta que as pessoas são inebriadas pelo comunismo por conta de uma visão simplista e ingênua da natureza humana e da complexidade da sociedade. Para Peterson, a atração pelo comunismo ignora as lições históricas de regimes comunistas, que levaram a resultados desastrosos, chegando a causar mais de 100 milhões de mortes. Ele acredita que o apelo do comunismo reside em sua promessa utópica, mas que, na prática, é inatingível e resulta em autoritarismo e opressão. Essa ideologia promete uma forma de organização social em que as decisões são tomadas coletivamente, em vez de serem determinadas por uma elite econômica ou política, mas como podemos averiguar em governos como o da Rússia, China e Venezuela, não funciona bem assim. E, infelizmente, nosso país não se encontra muito distante dessa realidade totalitária.
Acontecimentos recentes deixam claro que o Brasil está nas mãos de vilões dignos de grandes epopéias, mas, infelizmente, sem a promessa de um final feliz. Alguns ministros da Suprema Corte, ou como alguns os chamam, os “iluministros”, têm ganhado destaque internacional por suas ações desmedidas, que atentam contra as liberdades individuais e a dignidade de milhões de brasileiros. Comparações com o grande vilão da saga Harry Potter, Lord Voldemort, já não parecem exagero.
Assim como Voldemort, que manipulou e ludibriou para alcançar seus objetivos, certos ministros têm demonstrado comportamentos que afrontam os princípios democráticos, impondo suas vontades como se estivessem acima da lei. O risco que corremos, como sociedade, é nos tornarmos reféns de uma elite jurídica que age como se estivesse acima das instituições e da vontade popular, transformando o Brasil em um cenário sombrio e opressor.