O tema do bullying é muito mais complexo do que imaginamos e é, sem dúvida, um grande problema da sociedade moderna. Atualmente, este tipo de intimidação e assédio são frequentemente associados a outras atitudes violentas que vem ocorrendo em nossas escolas e comunidades. Acontece que, por trás desse termo e comportamento, jaz um sentimentalismo oculto que sufoca a sociedade e parece estar fora do debate público. Edificar o bullying pode trazer consequências nocivas e estimular emoções exacerbadas entre jovens e adultos. O ‘sentir’ pode deixar de ser algo genuíno, e passa a ser algo conveniente.
Sentimentalismo significa emoção superficial sem causa justificável, sensibilidade exagerada ou sentimento motivado por um fim determinado, podendo se tornar um vício cultural, no qual indivíduos são doutrinados a serem demasiadamente sensíveis. Anthony Malcolm Daniels, também conhecido pelo pseudônimo de Theodore Dalrymple, é um crítico cultural inglês conservador, médico prisional, psiquiatra e escritor de vários livros a respeito desse assunto. Segundo ele, vivemos na era do culto ao sentimentalismo tóxico. Em seu livro, “Podres de Mimados”, Dalrymple discorre sobre o tema, atestando que o sentimentalismo pode predispor a indulgência emocional e prejudicar o pensamento racional. Para ele, a ênfase nesse tipo de atitude muitas vezes prioriza os sentimentos em desfavor dos fatos e da análise objetiva, podendo ocasionar em uma visão distorcida da realidade. Em outras palavras, as decisões e ações são normalmente motivadas por reações emocionais e não por consideração ponderada. Essa tendência em salientar sentimentos e experiências pessoais em detrimento do raciocínio lógico pode levar a condutas irracionais, e ao abandono do pensamento crítico.
“O culto romântico da sensibilidade concedeu autoridade moral ao sofredor. Uma pessoa que não sofresse se tornava uma pessoa com deficiências de caráter, carecendo de imaginação e sentimento.”
Theodore Dalrymple
Outro ponto negativo que permeia o sentimentalismo tóxico é que ele pode inspirar uma cultura de vitimização. Os indivíduos passam a buscar uma validação constante e empatia por seu sofrimento percebido, sinalizando sua virtude através de likes e comentários nas redes. Essa mentalidade de vítima pode sufocar o crescimento pessoal e a superação, pois as pessoas se acostumam a culpar fatores externos por seus problemas em vez de assumir a responsabilidade por suas ações. Embora o bullying seja uma experiência negativa e angustiante, ele pode potencialmente promover a resiliência nos indivíduos para que possam lidar com as adversidades da vida e construir mecanismos de enfrentamento. Em sua longa jornada de trabalho com milhares de criminosos e mentalmente perturbados, Dalrymple sustenta que só podemos esperar fazer a diferença se começarmos a questionar esse culto ao vitimismo e ao sentimentalismo deletério.
Algumas pesquisas indicam que pelo menos metade das crianças e dos adolescentes matriculados em escolas sofrem bullying em algum momento durante seus anos escolares. De acordo com o Departamento de Justiça dos EUA, uma em cada quatro crianças será intimidada por um colega na escola a cada mês. A Associação Americana de Psicólogos Escolares relata que mais de 160.000 crianças faltam à escola todos os dias por medo de serem intimidadas. Diante desses dados estatísticos, aniquilar o bullying em escolas e organizações seria praticamente uma missão impossível. Então, talvez a resposta seria, melhorar as habilidades de resolução de problemas dos indivíduos para que possam encontrar maneiras de superar ou administrar a situação.
De acordo com o livro, “Incentivando Comportamentos Positivos nas Crianças de Hoje”, existem vários fatores importantes envolvidos neste tipo de constrangimento. É necessário observar que não existem apenas as vítimas do bullying, mas também os espectadores apenas estão assistindo ao que acontece. Por vezes o bully (intimidador) tem o que chamamos de “assistente do bully”, que se juntam ao intimidador para assediar outra criança. Em 85% dos incidentes os espectadores estão envolvidos em provocar a vítima ou incitar o agressor. Embora a maioria das crianças e jovens não concordem com as práticas de assédio, são poucos os que intervêm em nome da vítima. As principais razões pelas quais as crianças optam por não interceder, são: temer piorar a situação, ter medo de ser o próximo alvo do agressor, ou simplesmente não quer se envolver com o ocorrido. Se o agressor não enfrentar obstrução das pessoas ao redor, isso dá permissão para continuar se comportando de maneira ameaçadora. Para que os tietes do bully reconheçam que estão agindo de maneira perniciosa, é preciso alcançar primeiro a empatia destes espectadores, para depois alavancar a assertividade de intervir entre a criança atacada e seu intimidador. Somente dessa forma é possível desenvolver nesses seres a responsabilidade social de cada um. As crianças devem se sentir importantes, acolhidas e valorizadas, só assim respeitarão os outros. O desenvolvimento desses atributos positivos é nossa melhor esperança para eliminar as consequências sociais negativas associadas ao bullying, assédio, crimes de ódio e racismo.
A exposição ao bullying pode forçar indivíduos a fortalecerem estratégias para combater hostilidades e desenvolverem habilidades eficazes na resolução de problemas. Vítimas de bullying aprendem a administrar e navegar por situações difíceis, o que aumenta sua capacidade de lidar com contratempos do dia a dia. Ser submetido a este tipo de assédio permite que os indivíduos entendam a dor e o sofrimento dos outros, e essa experiência em primeira mão pode cultivar a compaixão dentro deles. Isso os motiva a apoiar e defender outros que enfrentam desafios semelhantes, fomenta o pensamento crítico, a adaptabilidade, a criatividade e competências valiosas para lidar com os desafios do futuro. Entretanto, o bullying pode fazer com que indivíduos questionem sua autoestima e identidade, e se não bem administrado pode acarretar comportamentos destrutivos. Diante disso, devemos equipar nossos jovens com ferramentas e estruturas sólidas. Por meio da autorreflexão e da introspecção, estas pessoas podem obter uma compreensão mais profunda de quem são e do que realmente importa. Por isso é importante que busquem relacionamentos e comunidades de apoio diante de tais conflitos. Ao se conectarem com outras pessoas que passaram por lutas semelhantes, elas podem encontrar consolo, encorajamento e orientação. Essas redes de apoio fornecem um senso de pertencimento e recursos de construção de resiliência. Se todo comportamento tem significado social, como afirma Rudolf Dreikurs, então um sentimento de pertencimento é de importância primordial para o desenvolvimento emocional, social e intelectual das crianças.
Rudolf Dreikurs foi um psiquiatra e educador austríaco que transformou o sistema de psicologia individual em um método pragmático para entender o comportamento repreensível em crianças. Seu método estimula o comportamento cooperativo sem punição ou recompensa, trazendo uma oportunidade para a criança se corrigir e aprender com suas ações de maneira construtiva. As ideias de Dreikurs foram descritas em seu livro “Children: The Challenge”, onde ele oferece estratégias práticas para pais e educadores promoverem um ambiente de aprendizado positivo. Outro conceito-chave na abordagem de Dreikurs é a ideia de que consequências naturais e lógicas permitem que as crianças experimentem os resultados orgânicos de suas ações. Isso as ajuda a desenvolverem senso de responsabilidade e aprenderem com suas escolhas. Na visão de Dreikurs, o mau comportamento geralmente é resultado de crenças equivocadas de uma criança sobre como alcançar pertencimento e significado. Ele identificou quatro principais objetivos nocivos de mau comportamento: busca de atenção, busca de poder, busca de vingança e exibição de inadequação.
As crianças nascem com mais de 400 traços psicológicos que surgirão à medida que amadurecem e que não tem nada a ver com os pais. De acordo com Russell Barkley, psicólogo clínico e especialista em crianças com deficiências, a ideia de que os pais irão criar personalidades, QI, habilidades de desempenho acadêmico e proteger contra o bullying não é verdade. Barkley assegura que os filhos não são uma lousa em branco pronta para ser preenchida. Filhos são um mosaico genético de sua família extensa, o que significa uma combinação única das características que correm em sua linhagem familiar em conjunto com fatores de seu ambiente externo. Ele usa o exemplo do pastor: os pastores são pessoas poderosas que escolhem os pastos onde as ovelhas irão pastar, se desenvolver e crescer. Eles determinam se estão adequadamente nutridas e se estão asseguradas contra possíveis danos externos, sem projetar na ovelha uma visão de engenharia pessoal. Nenhum pastor vai transformar uma ovelha em um cachorro. Hoje o número de pais que procuram especialistas se sentindo culpados é endemicamente superior a gerações passadas. Portanto, é preferível que os pais parem de pensar em si mesmos como engenheiros dos filhos, que dêem um passo para trás e digam: eu sou um pastor para um indivíduo único.
“Isso cria uma visão profundamente libertadora da paternidade, porque isso significa, que, embora seja importante ser um pastor, reconhecer que este é um indivíduo único diante de você permite que você aproveite o show da maneira certa. Então abra uma garrafa de Chardonnay, tire seus chinelos, sente-se para trás e observe o que acontece.”
Russell Barkley
Muitos não se dão conta, mas este tipo de intimidação não acontece apenas com os jovens, às vezes acontece o mesmo com adultos nas organizações. Não só o bullying pessoal, mas também o cyberbullying. O cyberbullying é qualquer tipo de bullying feito por meio da tecnologia, e que está se tornando cada vez mais comum. Inclui abuso por e-mail, mensagens no WhatsApp, ataques em redes sociais, como Facebook, Twitter, Instagram e outros. Estamos vivendo uma época de acessos sem precedentes a estímulos de alta recompensa e alta dopamina. Existem também os crimes de ódio praticados nas redes, que são semelhantes ao bullying mas estão relacionados a uma aversão a grupos de pessoas e podem ser baseados em raça, etnia, religião, deficiência física ou orientação sexual.
Em um mundo sem pé nem cabeça, hedonista e narcisista, os problemas parecem ser inventados por cabeças desocupadas, mas enfaticamente conectadas. Sob os múltiplos disfarces de poupar nossos filhos, ajudar as minorias e ser politicamente corretos, estamos alcançando exatamente o oposto. Não sabemos mais o que é bonito e saudável, o que é ofensa ou elogio, o que é bom ou o que é mal. Transformar o bullying em algo positivo requer um esforço coletivo e um compromisso de longo prazo para mudar atitudes, comportamentos e a cultura de vitimização. Ao fomentar a empatia, promover o crescimento pessoal e construir um ambiente de apoio, é possível criar mudanças duradouras e prevenir os efeitos nocivos deste tipo de intimidação. Somente assim poderemos converter o limão azedo e insalubre em uma limonada doce e proveitosa. Isso chama-se resiliência.
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