Se a vida foi, de certa, forma eternizada em passagens bíblicas, hoje ela é digitalizada pelas redes. Não mais consagradas em memórias e ensinamentos profundos, mas em atos supérfluos com intuitos efêmeros de sinalização da virtude e conquista de likes. As pessoas se surpreenderiam se soubessem a subversão que ocorre na mídia e no entretenimento, e a agenda por trás dela.
A concepção de realidade na Era Digital é uma dança de sons e imagens eletrônicas que, lançadas em nosso cérebro, interferem no nosso cognitivo. Uma narrativa construída por um mestre oculto, de modo que não percebemos, sob nenhuma circunstância, a verdadeira realidade. Muitas mensagens e memes são subjetivos, a resposta vai depender de quem está vendo ou ouvindo. Essas mensagens diárias têm o objetivo de iludir e direcionar o público, com figuras e sons que atingem uma esfera subliminar. Os pensamentos genuínos se escondem atrás de uma cortina eletrônica. E por trás dessa cortina, se encontra o grande feiticeiro do momento, o algoritmo.
Diariamente, nossa atenção e dedicação são direcionadas para slogans, músicas, designs, arte e muitos outros artefatos culturais que se tornam manobras em favor de partidos políticos ou grandes corporações. Para ser eficaz, a mensagem disparada deve estimular uma ansiedade ou satisfazer uma fantasia, consciente ou inconsciente. O cérebro humano é extremamente sensível às coisas que tratam do início da vida, tal como da reprodução (sexo), e do fim da vida, a morte. Se você conseguir plantar algo que seja fortemente motivador, como sexo e morte, o inconsciente vai se lembrar daquilo por muito tempo. Segundo Martin Seligman, um dos precursores da Psicologia Positiva, ainda não sabemos por quanto tempo e porque determinadas coisas grudam em nosso subconsciente e influenciam nossos pensamentos e ações.
Um dos estímulos mais cobiçados pelo cérebro é o musical. A música desempenha um papel importante na socialização de crianças e adolescentes, e está presente em quase todos os lugares. Seu fácil acesso permite que os adolescentes a ouçam em diversos ambientes e situações, sozinhos ou acompanhados. Mas por vezes, os pais desconhecem as letras das músicas que seus filhos estão ouvindo.
Pesquisas feitas sobre música popular exploram seus efeitos no trabalho escolar, interações sociais, humor, afeto, e, particularmente no comportamento. Os pesquisadores identificaram que o efeito que esse tipo de entretenimento tem no comportamento e nas emoções de crianças e adolescentes é de suma preocupação. As letras vêm se tornando cada vez mais explícitas em suas referências às drogas, sexo, violência e adoração ao diabo, principalmente em alguns gêneros musicais. Ouvir música com letra sexual degradante pode provocar o avanço precoce em diversas atividades sexuais entre adolescentes e incitar comportamento agressivo. Reduzir a exposição dos jovens aos influenciadores que produzem e promovem esse tipo de conteúdo pode ajudar a retardar o início da vida sexual, evitar o uso de drogas e desestimular a violência.
As músicas pop, hip hop e funk são gêneros musicais que ajudam a identificar aquela subcultura da qual a pessoa se sente parte. Howard Bloom, ex relações públicas de estrelas da música como, Michael Jackson, Alice Cooper e Prince, e autor de vários livros sobre a temática, relata que 95% das letras na cultura pop são sobre flerte e namoro. Isso se dá porque os hormônios na adolescência estão entrando em erupção. Os jovens dessa idade procuram parceiros para namorar, ficando obcecados em encontrar seu lugar no mundo. A obsessão com rituais de namoro e sexo, traição e separação, faz todo o sentido. Esta energia atrabiliária proporcionada pelo entretenimento sensacionalista transforma figuras como Anitta e Felipe Neto em formadores de opinião. Os famigerados influenciadores da nova cultura.
No dia 05 de fevereiro, aconteceu a premiação musical Grammy Awards 2023, nos Estados Unidos, o que trouxe polêmica e desconforto a uma parcela de seu público. Além do tema da cerimônia girar sempre em torno de diversidade, equidade e inclusão, o cantor britânico não binário, Sam Smith, e a artista trans, Kim Petras simularam um ritual satânico no palco. A performance dantesca da música Unholy (Profano) teve seu objetivo alcançado: chocar as pessoas e obter audiência. Com clamor, a emissora CBS, se posicionou num tweet dizendo estarem prontos para “adorar também”, se referindo ao diabo. A mensagem satânica teve, então, respaldo de uma fonte autorizada, e supostamente confiável. Tornando algo que antes era considerado infame ou de mal gosto em aceitável e cool. É onde mora o perigo: uma mentira embasada por uma fonte autorizada pode se tornar realidade, e acabar por influenciar jovens carentes e incertos. Dificilmente saberemos se Sam Smith é realmente um adorador de Satã ou se ele veste um personagem para chamar a atenção. No final das contas, Sam teve seu objetivo alcançado e seu prêmio auferido, resquícios de um Ocidente em decadência.
A repercussão por meio de símbolos e músicas é uma tática antiga para emplacar pautas e dar notoriedade a grupos ou indivíduos. As pessoas agarram-se a esses ícones, porque suas ideias os unem em grupos que concordam com elas. Isso proporciona o conforto do companheirismo e da ajuda mútua, um motivo de “ser” neste mundo maluco. A experiência coletiva extática, que está associada ao entretenimento, pode ser um antídoto para o isolamento doloroso de crianças e adolescentes, que se sentem abandonados ou que sofrem grave privação social, seja pelos pais ou pelo Estado. A conexão com entretenimento também é a conexão com seus pares, sua tribo. Hoje, os jovens se entregam à cultura inútil destilada nas redes. São insaciáveis por likes, não binários e sem compromisso com o futuro. Por isso, é fundamental direcionarmos nossas crianças a escolherem bem os ambientes sociais e suas amizades.
“Você deve escolher pessoas que queiram que as coisas melhorem e não piorem. É correto e louvável associar-se com pessoas cujas vidas seriam melhoradas se vissem sua vida melhorar.”
Jordan Peterson
O significado de bem e mal foi banalizado e colocado em xeque pela cultura do entretenimento. Com isso em mente, os arquitetos do novo mundo se apropriam do meme musical como ferramenta diária para seduzir seguidores e cativar as massas. Num limiar quase que inconsciente, os memes musicais tornam, frequentemente, a tentação de riqueza e poder ainda mais doce e possível. Disfarçam a busca por esses prêmios com idealismo altruísta e dedicação ascética a uma causa ou minoria. Sinalizam sua virtude expressando um ponto de vista moral, com a intenção de comunicar bom caráter através das redes. Atitude essa que não sai da tela, pois praticar o bem demanda esforço, sacrifício e renúncia aos interesses mais egoicos. Estes paladinos do novo mundo banalizam a maldade e a promiscuidade para angariar seguidores, e brincam com a verdade. Criando mentes confusas e aptas à hipnose coletiva.
“Não só vivemos nos tempos mais narcísicos de que se tem notícia, como estamos expostos diariamente em “praça pública”, com milhares de desconhecidos curtindo ou criticando o que postamos. A paranóia tomou conta de todos, assim como o desejo de ficar bem na foto.”
Rodrigo Constantino – Gazeta do Povo