A humanidade em movimento impulsiona a mudança histórica na Terra. Podemos afirmar que a sociedade é formada em sua essência por padrões, axiomas e dogmas. Suas transformações ao longo do tempo moldam nosso comportamento, nossa cultura, nossa moral e os bons costumes. Por meio da arte, do jornalismo, da música e da tecnologia manifestam-se alegrias e as tristezas das massas, e é este turbilhão de emoções que irá moldar os novos paradigmas a serem adotados pelas sociedades. Os valores que surgem a partir desses meios perpetuam-se no coletivo através da imitação e reprodução de ideias e ações.
Em seu livro “O Gene Egoísta”, Richard Dawkins, biólogo evolucionista britânico, estabelece o termo “meme” – derivado da palavra grega “mimese”, que significa aquilo que é imitado – para descrever uma ideia, comportamento ou estilo que se espalha dentro de uma cultura através da imitação. Dawkins comparou os memes aos genes, sugerindo que eles se replicam e evoluem por meio da transmissão cultural, de forma semelhante à evolução biológica. Desse modo, os memes, assim como os genes, passam por um processo de seleção, mutação e replicação, influenciando o comportamento humano e a evolução cultural.
*Vale ressaltar que, na era digital, “meme” adquiriu um significado mais amplo, referindo-se a imagens engraçadas, vídeos ou pedaços de texto que se espalham rapidamente pela internet. Esses memes da internet são frequentemente transmitidos nas redes sociais por meio de sátiras ou referências pejorativas à cultura, à política e à sociedade em si, e se tornaram um aspecto significativo da comunicação e humor online. Entretanto, não nos referiremos ao termo de tom humorístico neste artigo.*
Desde o primeiro milênio, há um imenso esforço da humanidade em investir nos conceitos de bem e mal, tal como no uso de suas analogias diárias. Para muitos, o que consagrou essa ideia foi o Pecado Original descrito no Gênesis. As histórias do Gênesis foram amalgamadas de várias outras e estão enraizadas em nosso DNA cultural por gerações. Você pode nunca ter lido ou se interessado por estes escritos, mas algum antepassado seu já os leu, e por isso seus resquícios estão arraigados no tecido social das massas. O Pecado Original do Gênesis pode ter sido o maior e mais antigo meme já criado na história da humanidade. Não só essa ideia de bem e mal foi cultivada em nosso inconsciente coletivo, mas também o uso do medo como ferramenta de manipulação, seja política ou social.
Gatilhos cognitivos são potencializados nos cérebros dos humanos por ferramentas mainstream que criam novos conceitos e direcionam os anseios da humanidade a todo instante. Não só a cultura é direcionada, mas o posicionamento político do indivíduo também é. Mas o que nos torna tão vulneráveis a estas armadilhas algorítmicas são as emoções e anseios que se alimentam de memes sensacionalistas que pipocam incessantemente nas redes sociais. A maneira como processamos experiências sórdidas traz uma resposta mais rápida a liberação de dopamina, e isso faz com que elas se tornem mais atraentes. Esta adrenalina arquetípica vem dos primórdios, desde quando Eva mordeu a maçã no Jardim do Éden e fertilizou a semente do mal. Já profetizou Oscar Wilde em sua frase pecaminosa: “I can resist everything, but temptation.” (“posso resistir a tudo, menos à tentação” – tradução livre)
John Milton, em seu livro Paraíso Perdido, idealiza a Serpente do Jardim do Éden como o próprio espírito do mal, Satanás. Para Milton, Satanás não é somente a personificação do mal, mas é fundamentalmente a personificação da auto ilusão. O momento vital de autoconsciência vem quando Satanás, tendo escapado do Inferno e enfrentado o abismo do caos, finalmente chega ao nosso mundo, no Jardim do Éden, onde a alegria habita para sempre. Uma vez no Éden, Satanás fica mais ressentido por conta de seus pensamentos, do que ele foi no passado e do que ele é naquele momento. Porém, Satanás não pode escapar do inferno, porque o inferno existe dentro dele. Da mesma forma, o inferno não está ao redor de uma pessoa, mas sim dentro dela.
“Mesmo se tivéssemos derrotado todas as serpentes não estaríamos seguros, afinal, já vimos o inimigo, e somos ele. A serpente habita nossa alma.”
Jordan Peterson
12 Regras para a Vida Um antidoto para o caos
Essa é uma declaração profunda sobre a flexibilidade da mente, sobre nossa capacidade de auto ilusão, e também sobre nossa capacidade de interpretar nossas circunstâncias de diferentes maneiras, especialmente através das lentes de diferentes conceitos. Essa adaptabilidade da mente para criar do céu o inferno, e vice-versa, transforma-nos em agentes dessa criação, conscientes do bem e do mal. Para Milton, o inferno não é um lugar, mas um estado de ser. Assim como o céu. O paradigma que paira nos escritos de Milton, e que de certa forma divide a humanidade, é: “É melhor reinar no inferno do que servir no céu” . Não é uma resposta fácil, uma vez que vai de acordo com seus valores e como você os cultiva.
Esta guerra psicológica entre bem e mal sempre foi usada de maneira perniciosa por aqueles que almejam dinheiro e poder. Por isso, exploram o meme do medo constantemente na criação de narrativas. Com o intuito de enfurecer as massas ou apaziguá-las. Quando alguém é dominado pelo medo de uma ameaça real ou imaginária, suas capacidades racionais e cognitivas são desligadas. Tornam-se presas facilmente manipuladas por qualquer pessoa que prometa segurança e proteção. Governos opressores obtêm êxito por tantos anos porque controlam suas nações invocando o medo, para na sequência surgirem com sua mão invisível, alegando que somente eles, os poderes dominantes, têm os meios e capacidade de proteger sua população. Uma população amedrontada é mais fácil de subjugar do que uma destemida.
Na política, o populismo, “apelo ao povo”, atingiu seu ápice no Brasil com a Revolução de 1930, tendo como grande nome Getúlio Vargas, que ficou no poder por quase 20 anos. Vargas foi um grande líder populista que soube como ninguém atingir todas as esferas políticas para agradar a população. Angariou forças e despertou paixões que iam da extrema direita à extrema esquerda. Esse é um fenômeno muito enraizado na América Latina, que se deve ao nosso baixo índice de desenvolvimento humano. Para consagrar o populismo é sempre necessária a figura de um “grande líder”, o salvador da pátria. Mas isso acaba por ser corrosivo às instituições, pois o líder populista acaba se tornando mais importante do que as próprias instituições no imaginário popular. Nomes como do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro podem ser incluídos nessa lógica.
Aplicado tanto na esquerda como na direita, o populismo no embate político tem uma natureza predatória. Atinge sentimentos inferiores, tais como medo, ressentimento, raiva e inveja, buscando dividir as massas para conquistá-la. Estes apelos populistas nos atraem numa esfera inconsciente, pois a neurociência diz que nosso cérebro tem um viés negativo. Diariamente somos seduzidos por informações sensacionalistas que liberam dopamina e nos trazem emoções viciantes, bem como pequenos picos de adrenalina. Somos adictos inveterados.
“O viés da negatividade refere-se à nossa propensão a atender, aprender e usar informações negativas muito mais do que informações positivas.”
What Is Negativity Bias?
A batalha populista seria equânime, entre direita e esquerda, se não houvesse uma apropriação injusta de uma das partes. Pautas importantíssimas para o desenvolvimento humano, como cultura e educação, foram usurpadas pelo populismo da esquerda. Hoje se configura como doutrinação, e parece ter o incessante objetivo de despersonalizar o ser humano. Essa nova leva de especialistas de esquerda escolhe desvalorizar milhares de anos de conhecimento humano em troca de como adquirir virtudes na internet. Descartam a tradição, a religião e o passado, rotulando-os como antiquados, sem relevância ou até “opressivos”. Eles foram tão eficazes na ressignificação da palavra “virtude” que aquele que a usa aparenta ser retrógrado, moralista e presunçoso.
Não há uma única receita para a felicidade, e por isso não podemos fazer julgamentos sobre o modo de viver de cada um ou sobre seu posicionamento político. O que podemos fazer é identificar se estamos sendo manipulados ou se estamos realmente agindo de acordo com nossos valores, pois não há um bem real e uma virtude verdadeira, ambos são relativos. Para Jordan Peterson, psicólogo clínico canadense e figura pública, o mais próximo da “virtude” é a “tolerância”. “Apenas a tolerância fornecerá a coesão social entre grupos diferentes e nos prevenirá de causar danos uns aos outros”. Porém, se você sinaliza sua assim chamada “virtude” nas redes sociais, dizendo a todos que é tolerante, aberto e compassivo, esperando que as curtidas se acumulem, não está sendo de fato virtuoso. Sinalizar ser virtuoso não é uma virtude, é autopromoção. Mas, sinalizar a virtude é, muito possivelmente, nosso vício mais comum. Quando Deus expulsa Adão e Eva do paraíso, Ele os pune por terem quebrado as regras de sinalização da virtude. E assim, Ele atesta que a vida é sofrimento, e eterniza o meme do Pecado Original.
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